terça-feira, 13 de janeiro de 2009

GUERRA SANTA OU MARKETING RELIGIOSO ?

Britânica arrecada o equivalente a 375 mil reais em doações para uma campanha que questiona a existência de Deus. Com o dinheiro, o transporte público na capital inglesa ganhará propagandas ateístas

"Quando o filho Dele vier, ele encontrará fé na Terra?". Essa foi a mensagem religiosa que despertou a ira da jornalista inglesa Ariane Sherine, de 28 anos. Ela caminhava pelas ruas de Londres quando reparou em dois ônibus que circulavam com o slogan. A publicidade ainda trazia um endereço na internet. Sherine não acredita em Deus e não tinha por que buscar respostas divinas para seus problemas com o transporte londrino. Mas sua desconfiança virou curiosidade. Ela visitou o site religioso e leu a seguinte ameaça: “Você será condenada a separar-se de Deus e passará a eternidade em tormento no inferno”. Sherine não achou aquilo nada engraçado, e pensou numa provocação a altura para estampar os mesmos ônibus vermelhos de sua cidade. "Provavelmente, Deus não existe. Agora, pare de se preocupar e curta a vida". A guerra santa estava comprada.

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CAMPANHA ATEÍSTA
Com o dinheiro arrecadado, Sherine quer colocar propagandas questionando a existência de Deus em ônibus ingleses. Acima, uma simulação de como seria o anúncio.

Sherine então ligou para a agência que regulamenta a publicidade no Reino Unido, a Advertising Standards Authority, para se queixar do anúncio que a mandara ao inferno. A funcionária disse que aquela propaganda havia recebido outras duas reclamações, mas que a agência nada podia fazer. A frase que condenava os ateus estava escrita num site, e não num ônibus. Sherine ficou irritada. Lembrou-se de uma propaganda da cerveja Carlsberg: "Provavelmente a melhor cerveja do mundo", dizia o slogan de um publicitário inspirado pela falsa modéstia. Quantas pessoas haviam reclamado daquilo? A funcionária da agência consultou seus arquivos. "Nós não recebemos nenhuma reclamação contra eles", disse. A fabricante de cervejas havia incluído a palavra "provavelmente" para não ter problemas na Justiça. A solução da Carlsberg inspirou Sherine. A partir daquele momento, Deus provavelmente deixou existir. Ela contou a história em um artigo escrito no mês de junho no jornal britânico The Guardian. "Se 4680 ateus lerem isso, e todos nós contribuirmos com 5 libras cada, é possível financiar um ônibus ateu em Londres", escreveu a jornalista.

Sherine e seus colaboradores pretendiam inicialmente colocar pôsteres em 60 ônibus durante um período de quatro semanas. Precisavam de 5500 libras (o equivalente a cerca de R$ 18 mil). Mas a idéia cresceu. A campanha ganhou o apoio da British Humanist Association, um grupo que promove causas ateístas no Reino Unido, e do acadêmico britânico Richard Dawkins, autor do livro Deus, um delírio. Apenas Dawkins, ferrenho crítico do papel de todas as religiões, doou 5500 libras. A repercussão foi imediata. Em uma semana de arrecadações, a campanha recebeu mais de 110 mil libras (R$ 375 mil), cerca de 20 vezes o valor esperado. Com os bolsos cheios, a campanha poderá ganhar ainda mais espaço na paisagem londrina.

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SHOPPING ATEÍSTA
Como a campanha da jornalista foi um sucesso, Londres deve ganhar faixas questionando a existência divina também em prédios comerciais

Colaboradores de Sherine já manipularam imagens digitalmente para ver a mensagem ateísta na fachada de shoppings e outros prédios comerciais. Os ônibus, principais personagens da guerra santa de Sherine, deverão circular com o slogan a partir de janeiro de 2009.

Alguns setores da Igreja receberam a idéia com diplomacia. “Essa campanha será boa se fizer as pessoas pensarem nas questões mais profundas da vida”, disse um reverendo da Igreja Metodista. O grupo de discussão religiosa Theos, fundado pelo arcebispo de Canterbury, doou 50 libras. Os críticos da campanha dizem, no entanto, que o dinheiro arrecadado poderia ter outro destino. Polêmica à parte, a idéia de Sherine é – provavelmente – o melhor slogan ateu da história da propaganda.